PARA JUIZ HERÓI DE ESPETÁCULO POPULARESCO DE BAIXA QUALIDADE
CONCEPTUAL, FORMAL E CULTURAL:
Artigo de Gregório Duvivier na Folha de São Paulo de hoje -- vale muito
a leitura:
“Três biografias para Sergio Moro."
Querido Sergio Moro, vi que você gosta de ler biografias, mas ainda
assim não consegue citar nenhuma. Entendo a dificuldade: imagino que esteja
muito empenhado tentando salvar a sua. Tomo a liberdade de indicar três obras
de não ficção — afinal de ficção já bastam suas sentenças.
“O Tiradentes”, do Lucas Figueiredo, conta a vida de um herói nacional —
aquilo que você imaginou que viria a ser, antes de virar figurante de
chanchada. Com base em documentos oficiais, Figueiredo perfila esse preso
político, único condenado de fato pela conspiração da qual ele era,
coincidentemente, o mais desvalido dos integrantes.
Seu advogado Dr. Oliveira Fagundes fez todo o showzinho da defesa e
compôs uma peça sólida, ignorada pelo juiz português — que, só se descobriu
depois, tinha chegado ao Rio, meses antes, com a sentença já escrita. Tudo
acredite se quiser se baseava em delações. O primeiro delator, Joaquim Silvério
dos Reis, um dos homens mais ricos e endividados da colônia, teve suas dívidas
perdoadas — mais ou menos como você perdoou, duas vezes, o doleiro Alberto
Youssef.
A corte também fez vista grossa pros conspiradores do Estado, que não
eram poucos. Talvez lhe pareça estranho, mas lembra de que você perdoou até o
Onyx.
Mas, claro, é preciso ser justo: ele se arrependeu.
Vários foram os juízes que condenaram Tiradentes e, ainda assim, ninguém
se lembra do nome de nenhum. Isso pode te servir de consolo. Mesmo orquestrando
uma farsa que elegeu o homem que hoje te emprega, existem fortes chances de que
a história te esquecerá.
Mas talvez esteja cansado de política brasileira. “Medo”, do Bob
Woodward, não é exatamente uma biografia, mas a história das eleições em que um
bufão chegou ao poder. À sua volta, todos pensam que poderão usá-lo, sem
perceber que legitimaram um autocrata que os descartará na primeira
oportunidade.
Deviam ter suspeitado: não há papel mais triste — nem mais ingrato — que
o de ajudante de bufão.
Pra terminar, vale ler “Cartas da Prisão”, de Nelson Mandela. A coletânea
de cartas publicada pela Todavia conta a história de um líder político que
passou 27 anos na prisão após uma condenação. Desculpa o spoiler: o sujeito sai
da prisão ainda maior do que entrou, e termina presidente do país que o
prendeu.
Ah, não está ali o nome do juiz que o condenou. Ufa.”
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